Completávamos
25 e 27 anos, eu e a minha mulher. Partíramos da capital alemã numa manhã de
nevoeiro, o que tornava o nosso destino ainda mais tenebroso e a nossa alma a
desaparecer aos poucos e irreversivelmente. Seguíamos encostados a dezenas de
pessoas, que imploravam uma réstia de humanidade e gesticulávamos vagarosamente
um com o outro, visto que as forças já eram quase inexistentes.
Vós que
viveis tranquilos
Nas vossas casas aquecidas,
Vós que encontrais regressando à noite
Comida quente e rostos amigos:
Considerai se isto é um homem
Quem trabalha na lama
Quem não conhece a paz
Quem luta por meio pão
Quem morre por um sim ou por um não.
Considerai se isto é uma mulher,
Sem cabelo e sem nome
Sem mais força para recordar
Vazios os olhos e frio o regaço
Como uma rã no Inverno.
Meditai que isto aconteceu:
Recomendo-vos estas palavras.
Esculpi-as no vosso coração
Estando em casa, andando pela rua,
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as aos vossos filhos.
Ou que desmorone a vossa casa,
Que a doença vos entrave,
Que os vossos filhos vos virem a cara.
Primo Levi, "Se isto é um homem"
A viagem
duraria cinco dias, mas parecia demorar um tempo indefinível. Os vagões eram doze
e nós setecentos, ou seja, a limitação do espaço comprometia a capacidade de
nos movermos, tendo que se ir durante longos períodos de tempo em pé, e, por
conseguinte, de repousarmos, pelo que o sono era imenso. Por outro lado, a fome
era intensa, a sede incalculável e o ambiente era, sobretudo, de vazio, de
desespero e de angústia de todos os passageiros que se encontravam no nosso
vagão.
As
portas foram imediatamente trancadas, mas o combóio só partiu à noite.
O
comboio viajava devagar, com longas e enervantes paragens.
Eu tinha
no coração o pensamento do retorno e, cruelmente, imaginava qual seria a
alegria sobrehumanda dessa nova passagem, com as portas dos vagões
escancaradas.
Das
quarenta e cinco pessoas do meu vagão, só quatro tornariam as suas casas, e o
meu vagão foi, de longe, o mais afortunado.
Primo Levi, "Se isto é um homem”
A nossa
essência começava a perder-se pelas condições deploráveis a que nos estavam a
submeter. Estávamos perto de Monowitz-Buna, se não me engano nas suas
imediações. Era um dos quarenta subcampos do complexo principal de Auschwitz,
sendo um campo de trabalho escravo para a fábrica I.G Farben estabelecido como
complexo industrial pela SS a pedido desta no ano de 1943.