25 de abril de 2017


Completávamos 25 e 27 anos, eu e a minha mulher. Partíramos da capital alemã numa manhã de nevoeiro, o que tornava o nosso destino ainda mais tenebroso e a nossa alma a desaparecer aos poucos e irreversivelmente. Seguíamos encostados a dezenas de pessoas, que imploravam uma réstia de humanidade e gesticulávamos vagarosamente um com o outro, visto que as forças já eram quase inexistentes.



Vós que viveis tranquilos

Nas vossas casas aquecidas,

Vós que encontrais regressando à noite

Comida quente e rostos amigos:

Considerai se isto é um homem

Quem trabalha na lama
Quem não conhece a paz
Quem luta por meio pão
Quem morre por um sim ou por um não.
Considerai se isto é uma mulher,
Sem cabelo e sem nome
Sem mais força para recordar
Vazios os olhos e frio o regaço
Como uma rã no Inverno.
Meditai que isto aconteceu:
Recomendo-vos estas palavras.
Esculpi-as no vosso coração
Estando em casa, andando pela rua,
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as aos vossos filhos.
Ou que desmorone a vossa casa,
Que a doença vos entrave,
Que os vossos filhos vos virem a cara.
Primo Levi, "Se isto é um homem"

A viagem duraria cinco dias, mas parecia demorar um tempo indefinível. Os vagões eram doze e nós setecentos, ou seja, a limitação do espaço comprometia a capacidade de nos movermos, tendo que se ir durante longos períodos de tempo em pé, e, por conseguinte, de repousarmos, pelo que o sono era imenso. Por outro lado, a fome era intensa, a sede incalculável e o ambiente era, sobretudo, de vazio, de desespero e de angústia de todos os passageiros que se encontravam no nosso vagão.


As portas foram imediatamente trancadas, mas o combóio só partiu à noite.
O comboio viajava devagar, com longas e enervantes paragens.
Eu tinha no coração o pensamento do retorno e, cruelmente, imaginava qual seria a alegria sobrehumanda dessa nova passagem, com as portas dos vagões escancaradas.
Das quarenta e cinco pessoas do meu vagão, só quatro tornariam as suas casas, e o meu vagão foi, de longe, o mais afortunado.
Primo Levi, "Se isto é um homem”

A nossa essência começava a perder-se pelas condições deploráveis a que nos estavam a submeter. Estávamos perto de Monowitz-Buna, se não me engano nas suas imediações. Era um dos quarenta subcampos do complexo principal de Auschwitz, sendo um campo de trabalho escravo para a fábrica I.G Farben estabelecido como complexo industrial pela SS a pedido desta no ano de 1943.