18 de abril de 2017



Tudo isto parecia um sonho, mas na verdade era a realidade. Apesar de nos sentirmos privilegiados pela nossa libertação neste relevante ano de 1945, a verdade é a de que o fim da II Guerra Mundial tivera efeitos devastadores para os países beligerantes em dois planos. No plano material com a enorme mobilização e consequente escassez de recursos desta natureza e no plano humano com o número alarmante de homens mobilizados que se tornaram milhares de vítimas decorrentes das vicissitudes da mesma. Importa também referir que para além das perdas humanas e da destruição material, destaca-se a desorganização da sociedade, sobretudo a de leste. Muito possivelmente é a Polónia que apresenta a este respeito o caso mais dramático, visto que em resultado da Conferência de Ialta, realizada na Crimeia em fevereiro deste ano, via-se obrigada à definição das suas fronteiras.



Quando fomos libertados ainda o medo não tinha desaparecido da nossa essência devido ao Antissemitismo que ainda se fazia sentir em muitas partes da Europa, e também pelo enorme trauma que tínhamos sofrido e nos tornara permanentemente inseguros.

Na sequência, eu soube que estas afirmações escondiam a infância e a adolescência da minha mulher. Esta infância e esta adolescência, embora a minha mulher tivesse nascido após Auschwitz, estavam colocadas sob o signo de Auschwitz. Mais precisamente, sob o signo da judeidade. Sob o signo fo lodo, para citar as palavras da minha mulher… não se pode curar Auschwitz, ninguém pode recuperar da doença de Auschwitz
Irme Kertész, “Kaddish para uma crianças que não vai nascer”


A alimentação revelava-se, agora, fortemente condicionada. Fomos alvo de subnutrição durante um longo período de tempo, e por isso, a ingestão de alguns alimentos era dolorosa e muitas das vezes impossível de se fazer, tínhamos de ingerir alguns líquidos, sempre de forma controlada, para depois passarmos aos alimentos sólidos. Os vómitos e as dores persistentes no estômago colocavam-nos numa situação de risco e que se repercutia no nosso bem-estar físico e mental.

Toda a gente me pergunta só pelas vicissitudes, pelos «horrores»: todavia, no que me diz respeito, é talvez essa a experiência mais memorável. Sim, é disso, da felicidade dos campos de concentração, que eu lhes falarei na próxima vez, quando me perguntarem
Imre Kertész, "Sem destino"