26 de abril de 2017


Em 1942, foi anunciado em vários jornais holandeses e alemães que os judeus iriam ser transportados para campos de trabalho forçado. Nesta altura, colocavam cartas nas caixas de correio dos mesmos com o formulário que indicava o dia e a hora de partida dos comboios que os levariam para o campo. Neste ano, optámos por não responder à carta e durante quatro meses decidimos viver escondidos num soalho de uma casa em que no cimo da mesma, abria-se uma porta de um velho edifício com uma sala grande, uma cozinha e um quarto. Tudo coexistia. Andávamos descalços durante o dia e ocupavamo-nos, lendo e escrevendo. Não podíamos utilizar torneiras e casas de banho entre as nove e as sete da manhã. Éramos auxiliados pelas pessoas que prestavam ajuda àqueles que se encontravam nos esconderijos.

 Encarregavam-se de nos fornecer os alimentos, livros e jornais e em caso de necessidade, médicos de confiança, pelo que se afirmava uma tarefa árdua, rara e bem paga. Tal era o medo e a angústia que à noite a vontade era apenas de chorar.

Tendo em conta os inúmeros esconderijos que havia, a polícia alemã decidiu tomar medidas mais eficazes, ao organizar rusgas e invasão de diversos bairros. Quando entravam nos esconderijos, faziam pilhagem de materiais valiosos, dinheiro e alimentos. A vigilância apertou-se e intensificaram-se as buscas, sucedendo-se interminavelmente, até que chegou a nossa vez. Não queríamos acreditar.



Por esses dias, lia justamente sobre a morte de trezentos e quarenta judeus holandeses nas pedreiras de Mauthausen. À chegada do comboio, o lugar-tenente Ernstberger faz compreender a Glas, um preso político que é secretário do barracão: de acordo com as ordens, eles não devem ficar vivos mais de seis semanas. No dia seguinte, os judeus holandeses são conduzidos à pedreira. Em vez de tomarem os cento e quarenta e oito degraus de pedra, têm de descer por entulho abrupto. Mesmo no fundo, põem-lhes aos ombros uma tábua, blocos de pedra demasiados grandes, que é preciso levar a correr… Vários judeus holandeses atiram-se da falésia logo no primeiro dia. Depois, nove a doze pessoas saltam juntas, dando-se as mãos…
Imre Kertész, “A recusa”